sábado, 2 de outubro de 2010

A VIOLÊNCIA NO RIO DE JANEIRO EM 1914

Trecho de um artigo de Franco Vaz, publicado sob o título de "O Problema da Proteção à Infância", em que descreve a situação das crianças e adolescentes do Rio de Janeiro, em 1914:

Todos, de certo, terão notado que, num crescendo assustador, a imprensa vem registrando dia a dia a ação de menores que roubam, ferem e matam. Não é um, não são dez, são mil, talvez mais os casos desta natureza. A insistência com que os jornais se referem a quadrilhas de menores organizados, operando à maneira de malfeitores organizados. O cadastro criminal do Rio de Janeiro registra perto de 3.000 delinqüentes menores, sendo 45% reincidentes, com inúmeras prisões por crimes e contravenções, alguns com até 40 prisões. Não é essa a primeira, nem será a última vez que se tem de referir casos dessa ordem com o objetivo de sacudir a opinião pública, atirando-lhes pelos olhos adentro o que isso representa de vergonha e de tristeza, e impressionar os poderes dirigentes com fatos concretos, que não possam sofrer a pecha de retórica, para que todos vejam que é deveras lamentável a situação da criança moralmente abandonada, que reclama providências imediatas, lógicas e eficazes.

Continua Franco Vaz:

Adolpho Prins, criminalista belga, pondera que se assiste, há 50 anos, a um crescimento considerável da criminalidade entre menores e reafirma que isso só pode ser combatido em idade que se é possível reformar as más inclinações. O prof. Aschaffenburg considera a educação de crianças desamparadas como um dos meios mais seguros de profilaxia do crime. Entende, como a maioria dos criminalistas e sociólogos de nossos dias, que a prisão dessas criaturas é o maior erro que se pode cometer, pois são menores as reincidências entre aqueles que fogem, do que entre os punidos e, entre estes, incluem-se os piores malfeitores. Ora, se todos estão convencidos, desde os mais sábios criminologistas aos poucos sabedores de penalogia, que o menor abandonado de hoje é o criminoso juvenil de amanhã e que este será o criminoso contumaz que obriga a existência de custosos aparelhos de repressão; que o princípio da prevenção em delinqüência é o mais sábio e o mais profícuo; que a educação é o processo mais seguro, embora não infalível, para se evitar que as crianças se tornem indivíduos nocivos, profissionais do vício e do delito; sabe-se de tudo isso e os homens que têm a responsabilidade governamental e legislativa são precisamente, ou devem ser, aqueles que menos os desconhecem, porque é que se persiste em descurar desse problema, porque é que se o relega a um plano secundário fazendo sobre ele preponderarem outros que dele deveriam ser caudatários? Estou convencido de que o maior dos erros da República, erro imperdoável, erro crasso, é não ter cuidado da educação e do ensino fundamental e profissional, à testa desse devendo ser considerada a da infância moralmente abandonada, que é a que mais deles precisa. Esquecer que é das camadas sociais mais baixas que o Estado tem o dever de cuidar; que uma nação representa uma resultante dos indivíduos que a compõe e será tanto melhor ou pior quanto melhor ou pior forem os elementos que formem seu conjunto; esquecer que, se melhorarmos a estrutura moral de nossa gente, começando de baixo para cima, do começo para o fim, teremos, quase insensivelmente, modificado um grande número de defeitos de que sofremos e nos queixamos; esquecer todas essas claras verdades é entravar a marcha ascendente de nossa vida, é ser pouco patriota no sentido sério e sem exploração da expressão, e é não ter a compreensão nítida e iniludível das verdadeiras necessidades de nosso país.
São decorridos mais de noventa anos da publicação desse artigo. A violência aumentou bastante.

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