sábado, 2 de outubro de 2010

A PALMADA

" A palmada faz mal?". Pergunta freqüente nos consultórios e, infelizmente, dirigida no sentido de justificar uma agressão praticada contra uma criança . A palmada é usada com finalidades "educativas". Apoiando a sua utilização com essa suposta finalidade, os pais, ou responsáveis, se justificam com algumas explicações padrões do tipo: "meu pai sempre me bateu e eu agradeço a ele, pois sou trabalhador e macho" ; "uma palmadinha nunca faz mal"; "quero que meu filho seja um homem inteiro, um bom cidadão"; "comigo é assim, escreveu não leu, o pau comeu"; "a palmada na minha família é uma tradição : meu pai apanhou, eu apanhei e meu filho também apanha"; "mentiu para mim , eu bato"; "não admito que meu filho diga palavrão algum"; "não venham com esta psicologia moderna de que não se pode bater em criança"; "este médico não tem nada a ver com a educação de meu filho, eu é que sei o que é bom para ele"; eu sou o responsável pelo meu filho e não admito que ninguém opine sobre o que eu faço"; "uma surra bem aplicada, no momento adequado, vale mais que mil compêndios de psicologia e pedagogia"....e a criança segue apanhando até que atinja a adolescência, quando enfrenta, ou foge do agressor.
Os pais que batem e os que condenam qualquer tipo de violência em geral tentam, por caminhos opostos, fazer do filho um bom cidadão. Os primeiros, utilizando métodos de uma época em que o castigos e o medo, como ferramenta educacional, eram considerados mais eficazes do que o amor. Hoje sabemos que palmadas , brigas e ameaças não mais são justificáveis. Entretanto, parte ponderável dos pais ainda as consideram válidas.
Muitos acham que não se consegue que a criança seja disciplinada sem apelar para as palmadas, como outros acreditam que disciplina e carinho sejam antagônicos. Não é verdade. A criança deve ser educada com energia e carinho a ter disciplina, o que é perfeitamente possível desde que se substituam as palmadas pela compreensão e pelo diálogo e, eventualmente, pela punição, quando a palmada, na melhor das hipóteses, terá um lugar bastante restrito. A boa disciplina é adquirida com facilidade quando a criança cresce numa família onde aprende a amar e ser amada. Não podemos nos esquecer de que as crianças têm um grande espírito de imitação, o que faz com que elas desejem parecer, tanto quanto possível, com os pais. Pais agressores ou compreensivos, com freqüência, têm filhos com o mesmo tipo de comportamento.
As crianças, desde o nascimento até aos seis anos, estão sendo submetidas a uma espécie de modelagem de sua personalidade: tudo que fizermos de bom ou de ruim será impresso nelas, de forma mais ou menos marcante, dependendo da intensidade do estímulo. Punir para educar não significa bater.
O que desejam as pessoas, em especial os pais, quando batem nas crianças? Sem dúvida que, na maioria das vezes, desejam ensinar-lhes alguma cousa que contribua para que elas tenham uma melhor formação como cidadão, mais freqüentemente restringindo ou proibindo comportamentos que violam o que consideram o ideal, por meio de surras ou palmadas. Não digo sempre porque, infelizmente, ainda se castiga por pura maldade, sem nenhum objetivo a não ser a de vê-las sofrer.
Os impulsos agressivos das crianças ocorrem praticamente desde o nascimento quando, pelo choro, pode-se reconhecer seus momentos de raiva e frustração. Aumentam lenta e progressivamente e, aos 2 ou 3 anos, atingem um nível que provoca a reação dos pais que, para restringi-los ou controlá-los, lançam mão de uma das seguintes técnicas disciplinares: afirmação do poder, técnicas indutivas ou retirada do amor. As palmadas e outras punições físicas ou morais, a privação de privilégios e os gritos estão incluídos no primeiro grupo. São respaldados pela força e tamanho dos pais e no controle das cousas que a criança quer. Os que utilizam as técnicas indutivas buscam fazer as crianças compreenderem a conseqüência de suas ações, usam o diálogo para corrigir os presumíveis desvios de comportamento, utilizam os reforços positivos elogios e recompensas; estão baseadas no bom relacionamento dos pais com os filhos e na capacidade de a criança de compreender o que os pais explicam. A retirada do amor inclui o que nome indica, além de envergonhar, decepcionar, desprezar ou isolar a criança; uma das piores formas de punição, que nunca deveria ser usada, é aquela que a mãe ameaça o filho dizendo que vai embora, que vai deixar de gostar dele, que nunca mais quer vê-lo. Como vocês puderam ver, as técnicas são usadas isoladamente, ou de forma combinada.
A palmada é, pois, utilizada quando existe um conflito de autoridade em que o mais forte, o mais velho, o mais maduro usa-a para demonstrar quem manda. Ou seja, olha para a criança e diz "faça o que eu acho certo ou vai apanhar". E se existissem gigantes e fizessem isso conosco? Será que acharíamos correto? Nem todos são contra a palmada. Existem defensores, que dizem que ela deve ser aplicada quando existe um bom motivo , na hora indicada, no lugar apropriado, que dizem ser gordinho para recebê-la, com parcimônia e efeito mais moral do que doloroso. E essa "palmadinha", largamente utilizada, se enquadra nestas especificações? Claro que não. Que respondam as crianças. O motivo principal é o cansaço ou irritação dos pais que , não agüentando mais, batem nos filhos. A criança diz um palavrão e todos felizes riem e mandam até repeti-lo. No outro dia repete, esperando a recompensa, e lá vem uma palmada no traseiro, acompanhada de gritos moralistas das mesmas pessoas. Na hora indicada? Muitas vezes, não. Quem já não ouviu a frase "se você continuar fazendo isto vou contar ao seu pai e, quando ele, chegar vai-lhe bater". Horas depois, a criança está brincando com um carrinho, leva a maior paulada. Não conseguirá associar nunca a palmada com o malfeito e, sim, com o que estava fazendo com o carrinho. Se não tiver outro jeito, palmada é do tipo fez, ganhou. Na hora. Com parcimônia ou seja, utilizada uma vez por ano ou, no máximo, a cada seis meses. As palmadas dadas uma ou mais vezes todos os dias, além de perder o caráter educativo, são ineficazes, pois perdem qualquer tipo de efeito tanto físico quanto moral. Existem crianças que riem ou ridicularizam as palmadas. A intensidade da palmada não corresponde à gravidade da falta. Muitas vezes é dada com raiva e para valer. Depende do estado de espírito dos pais. Nela, o adulto descarrega sua agressividade, sua raiva da família, do trabalho, do mundo, de tudo. A criança sofre; em compensação, o agressor, na maioria das vezes, se sente melhor. Nem todos, porém, pois existem os que batem e depois se remoem de remorsos e, até mesmo, se desculpam dizendo que erraram , que não vão fazer mais aquilo, etc. Embora o traseiro seja o sítio preferencial, a palmada é dada tambem em outros locais, inclusive no rosto, que é o cúmulo da degradação.
Palmadas, surras, ameaças, não justificam o propósito primeiro e nobre de educar. A obediência é um meio e, não, um fim. Revelam, na maioria das vezes, uma visão muito restrita dos pais em relação ao mundo dos filhos e um desejo, consciente ou não, de afirmarem sua autoridade em detrimento das necessidades emocionais de seus filhos. Temos de disciplinar nossos filhos. O permissivismo é ruim como técnica educacional. Todos temos limites e nossos filhos têm de aprender isto, que lhes irá poupar muitas angústias e sofrimentos. Os pais afetuosos e receptivos conseguem transmitir com mais facilidade, aos filhos, seus valores, sem perda da autoridade, e conservando uma das cousas mais importantes, a amizade que deve reger o relacionamento entre eles.

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